O caso do fotógrafo Leonardo Luciano, proibido de fotografar no Santuário de Santa Rita de Cássia pela “administração do complexo turístico”, sob o argumento de que ninguém está autorizado a comercializar no local, sem permissão, a não ser que para tanto pague um percentual à igreja, revela-nos muito mais do que a primeira vista pode parecer. Tentemos compreender o “não dito” sob uma ótica racional, e tanto quanto possível, de maneira imparcial e desapaixonada, face a tudo o que envolve tão relevante questão.

Em primeiro lugar, como é de todos sabido, o Alto de Santa Rita foi construído com o dinheiro público, portanto, é resultado do bolso de todos nós, contribuintes daqui e de alhures, sejam protestantes, católicos, ateus, budistas, umbandistas, etc . Eis aí o primeiro problema legal: num estado verdadeiramente laico, em nenhuma hipótese o dinheiro público seria liberado para beneficiar quaisquer que fosse a instituição religiosa. Muito bem! Explicitado isto, o principal argumento em contrário é o de que o Complexo foi pensado para favorecer o desenvolvimento da economia local e regional através do turismo (na modalidade religioso), que em certa medida seria justificável se os recursos públicos tivessem sido acessórios, ou seja, apenas para viabilizar a pavimentação do acesso, a energia elétrica, as questões sanitárias e ambientais que envolvem a obra, ficando a escultura, a capela e outros espaços de rito, por conta da instituição religiosa. Não é o caso.

Principalmente durante a Idade Média, a igreja católica construiu a sua riqueza e o seu poder através da ligação intrínseca que mantinha com a nobreza (detentora do poder político e econômico), o que lhe permitiu um papel relevante no chamado mecenato cultural, financiando obras de arte e monumentos que continuam sendo por sua beleza, por sua perfeição ou grandiosidade, razão de atração turística em vários lugares do mundo. De volta a nossa contemporaneidade, a imagem que ganhou forma através das mãos do artista Alexandre Azedo, foi inteiramente patrocinada por entes públicos (União, Estado e Município). Eis os seus verdadeiros mecenas. Nenhum tostão da igreja foi gasto, mas é certo também que a sua forte influência foi importante na luta pela liberação dos recursos. É verdade ainda que a imagem que se explora ou que é explorada faz parte da simbologia ou do patrimônio católico, pois foi esta instituição que a legitimou, consagrando-a ao longo do tempo junto ao seu rebanho de fiéis.

Com estas observações chegamos a questão primordial, da qual decorre não só o caso do fotógrafo, mas tudo que do ponto de vista administrativo, é pertinente e útil que saibamos. Considerado isto, vamos às indagações que me parecem justas e necessárias: Quem ou quais instituições efetivamente administram o “Complexo Turístico de Santa Rita? Há uma concessão legal? O documento legitimador da administração do Complexo foi aprovado pela Câmara Municipal? O que estabelece esta concessão quanto às questões de exploração comercial, manutenção do complexo, duração da concessão e prestação de contas? Ou seja, quais os direitos e deveres do concessionário? Ou mais simplesmente, o que pode e o que não pode ser feito do ponto de vista legal, no Alto de Santa Rita?

É imperativo que a Igreja e a Prefeitura esclareçam o mais rápido possível estas questões, sob pena de que fatos como o do fotógrafo possam vir a se repetir, causando constrangimentos desnecessários aos nossos conterrâneos, aos visitantes, ou mesmo às instituições envolvidas, que são falíveis como todos nós. O Alto é patrimônio de todos e a todos deve bem servir.

(Se eu pudesse, iria à noite contemplar lá do alto, a minha cidade cá embaixo, toda iluminada; se me fosse permitido, tomaria uma taça de vinho ouvindo uma sonata de Johann Sebastian Bach ou mesmo um cântico gregoriano; mas como isso ainda não é possível, pacientemente espero!)

Marcos Cavalcanti