sábado, 29 de agosto de 2009

ENTREVISTADO: FRANCISCO MACIEL (POETA JAPIENSE)


ENTREVISTA COM MACIEL

GILBERTO: Maciel, fale-nos sobre sua pessoa, formação, áreas de atuação e região em que vive.

MACIEL: Sou natural de japi, onde resido e trabalho em duas escolas estaduais, lecionando a disciplina de português. Sou licenciado em Letras pela UFRN.


GILBERTO: Como e quando foi despertado em você o interesse pela leitura e pelas produções literárias?

MACIEL: Meus primeiros rabiscos literários aconteceram na minha infância. Sempre fui influenciado pela minha família . O saudoso José Tavares , colega nosso , dizia que quando ouvia falar na família Confessor , vinham à mente duas coisas : Uma que se tratava de uma família evangélica , outra que era uma família de poetas . Não sou, digamos assim, o cerne da família, só que influenciado e tirando vantagem de tudo isso. Em seguida o curso de letras me ofereceu verdadeiros “banquetes literários” e isto me tem feito um grande bem.

GILBERTO: Fale-nos, com riqueza de detalhes, sobre os poetas e escritores de sua família.

MACIEL: Você , Marcos Cavalcante e Hugo Tavares são algumas testemunhas da importância de minha tia Francisquinha Confessor para a literatura de cordel . Uma anciã já com seus 96 anos que é referência para a cultura do nosso estado, com sua vasta produção literária e várias premiações de reconhecimento, além dos registros escritos por seus irmãos já falecidos.
Temos Goimar, que você conhece tão bem: jornalista, roteirista e escritora. Desde sua infância que reside em São Paulo , de onde também nos encanta com suas belas poesias .
Acrescento ainda meu pai que é poeta repentista.

GILBERTO: Que visão tem você da ASPE? Haveria algo a ser melhorado nessa entidade ou acha que tem cumprido bem seu papel?

MACIEL: É inegável que a ASPE tem uma boa representação do potencial cultural do município de Santa Cruz e como se trata de uma cidade pólo, passa a ser referência também para a região do trairi. Não se trata de um grupo fechado, pelo contrário, há convivência pacífica entre pessoas de formação diversificada, pontos de vista e estilos diferentes. Basta dar uma olhada nas páginas dos livros publicados pela ASPE e nos eventos realizados para se chegar a essa conclusão.
Não tenho um conhecimento profundo da instituição, portanto nem tenho como fazer sugestões, mas entendo que não é fácil resgatar cultura, vender livro e formar leitores e escritores num país em que educação não é prioridade e onde aqueles que detêm o poder da comunicação não têm um compromisso social neste sentido. Qualquer instituição como a ASPE só em existir já é um desafio e o fato de estar de pé significa lutar contra quase tudo e quase todos. Percebo que a ASPE não é uma instituição de fachada e que presta serviços relevantes à comunidade dentro da proposta em que foi criada.

GILBERTO: Que significou para você o ter participado da Antologia da ASPE, “CANTOS E CONTOS DO TRAIRI”? Pretende participar de outras antologias?

MACIEL: Foi uma oportunidade que tive de juntar-me a um grupo de colegas e divulgar um trabalho que nos enobrece ao contribuir para mostrar quem somos, o que pensamos e que contribuição estamos dando para nossa literatura. Aproveito a oportunidade para agradecer a você Gilberto, que me fez o convite , intermediou minha participação e a ASPE por esta abertura , para que outros municípios possam estar juntos , somando em prol da cultura de nossa região . Sempre que convidado estarei disponível para participar.

GILBERTO: Pretende publicar algum livro? Fale-nos de suas pretensões literárias.

MACIEL: Pretendo sim , mas sei que isso vai demandar tempo , pois escrevo pouco e sou muito exigente com aquilo que escrevo , demoro demais refazendo . Sou do tipo perfeccionista e me cobro bastante neste sentido . Quando estou escrevendo algo crio certa ansiedade em divulgar, mas depois os ânimos se arrefecem.

GILBERTO: Identifica-se mais com a poesia ou com a crônica? Por quê?

MACIEL? Escrevo bem pouco e ultimamente até tenho escrito mais crônicas. È que tudo surge assim , de alguma coisa que me desperta o desejo de escrever algo sobre aquilo . Digamos que seja o “fio da meada”. Começo então a articular com outras informações, vou juntando e eis que tudo fica pronto . Seja poesia ou crônica não surgem assim espontaneamente. Lembrei agora uma poesia sua, Gilberto, quando você diz “faço versos como quem aborta”. Seria mais ou menos assim, mas seja poesia ou crônica eu ajo sempre com bom gosto e faço questão de mexer quantas vezes forem necessárias.

GILBERTO: Com que estilo de poesia você se identifica mais? Que poetas aprecia?

MACIEL? Certa vez escrevi que sou introspectivo, vassalo da rima, da cadência, da musicalidade, sendo ainda vagante e domável, ou seja , sou um pouco de tudo . Poesia é a tradução de sentimentos, pensamentos, emoções e quando se consegue fazer isso através das palavras, o fundamental é o resultado dessa mistura com o belo que se consegue. O estilo é apenas parte do contexto. A ênfase, na verdade, é para a liberdade de criação.
Não aprecio poetas específicos, embora reconheça que toda a produção literária de Drummond e Manuel Bandeira, em relação à de outros escritores , atraem um pouco mais.

GILBERTO: Acha você que a cultura como um todo tem recebido a devida atenção na região em que vive? O que falta e o que há de positivo?

MACIEL:. Acho que somos apáticos com relação a essa questão. Apresentamos reflexos, não ,digamos , especificamente consequente de uma falta de atenção in-loco, mas daquilo que se construiu ao longo dos anos numa esfera maior, num contexto social mais amplo . Sempre que discutimos este assunto chegamos à conclusão de que falta receptividade, aceitação, correspondência , como se estivéssemos meio que andando na contramão daquilo que faz parte de nossas origens , nossa vida, do nosso bom gosto. É fácil diagnosticar parte do porquê . Estamos envolvidos demais com a modernidade, daí vem a inquietação, a busca incessante pelo novo, mas nossos costumes, nossas tradições nem sempre cabem nem estão projetados nessa nossa proposta de vida . Em minha cidade, por exemplo, quase todas as casas antigas já perderam sua fachada. Estamos abrindo mão de nossa identidade, de nosso vínculo com o passado. Este é apenas um dado.
Vou citar alguns “termômetros sociais” que sinalizam com exatidão o quanto somos sem noção e que repercute nessa questão. Nossas bibliotecas públicas não são frequentadas como deveriam, nem são referenciais como ambiente provocador, estimulante à leitura, a pesquisa e os gestores nem a comunidade priorizam isso. A formação que nós educadores, responsáveis em lidar com essas questões em sala de aula, recebemos nos cursos de licenciatura, há muito que precisa ser repensada. Vendo, então, a programação dos meios de comunicação, se tem uma idéia do tempo que nós dedicamos a amenidades.
De positivo há iniciativas locais, projetos, entretanto na maioria das vezes lhes faltam consistência por serem conduzidos de maneira isolada, focalizados numa gestão política específica e que nem sempre numa visão atemporal, mas que nem por isso deixam de serem bem-vindos.
Fico satisfeito, por exemplo, quando vejo a busca em se resgatar os festejos juninos. Particularmente me sinto inserido nesta tradição, sendo transportado à minha infância e isto me é salutar. Acho que essa é a essência desse tipo de resgate, o aspecto religioso não é relevante, entende? Outro exemplo, o prefeito de minha cidade tem seguido um cronograma, realizando eventos que resgatam e valorizam a poesia nordestina. Então, entendo que estão querendo acertar e atitudes como estas devem ter nosso apoio.

GILBERTO: Parece-me que a cultura popular em Japi sempre precisou e contou com o apoio de seus familiares, especialmente de seu pai. Quão significativo tem sido esse suporte ao longo dos anos?

MACIEL: Meu pai é uma referência na cidade quando o assunto é poesia popular. É poeta repentista, tem verdadeira paixão por cantoria , é bastante receptivo . Sempre promoveu encontro de violeiros aqui na cidade. Tem amizade, admiração e respeito recíprocos aos poetas do improviso. É conhecido pela alcunha de poeta Tota Branco que o deixa gentilmente gratificado. Os cantadores que visitam a cidade sabem que contam com seu apoio.

GILBERTO: Que livros e/ou poesias deixaram marcas indeléveis em seu espírito? Haveria alguma poesia em particular que você considera a melhor de todas?

MACIEL: Eu citaria apenas a bíblia. Ainda que dissociada de aspectos espirituais, há nela algo de majestoso. E é por isso que permanece aí perpassando gerações, seja como objeto de comparação, de confirmação, de refutação, de questionamento, de união, de divisão, de libertação ou de alienação. Acho isso magnífico.
Acho bastante completa a poesia “José” de Drummond. Vez por outra me pergunto: E agora José? Pois nunca me falta “uma pedra no meio do caminho”. Acho profundo demais e embora pareça de um simplismo, tem significação sempre atual e permanente. Drummond consegue se aproximar demais da gente.

GILBERTO: Brinde-nos com um texto (em prosa ou verso) de sua autoria.

ESTILISTA DITA MODA

Aperto em mãos calejadas
Sorriso reprimido a cada pranto
Palavras que se calam, vozes silenciadas
Liberdade funerária num recanto.

Há conforto subumano que se gera
Nos destroços da paz já destruída
É uma força que resiste , que impera
Na comida aputrefada deglutida.

Uma suposto estilista dita moda
Uma mancha de contágio incomoda
A cidade paralisa sua pressa.

Guerreiros sofrem , nessa hora o povo fala
E a revolta dessa turba que se cala
Alimenta o ódio que não cessa .