quinta-feira, 17 de setembro de 2009

POEMAS DE ROGÉRIO ALMEIDA



Rogério Almeida é um nordestino simpático e de inteligência rara que reside fora do Brasil. Ama a cultura nordestina e tudo que tem a ver com nossa gente.

Abaixo, dois poemas de sua autoria:

Prece do amigo amante
(A Esther Schindler)

Divindade deste campo
De lajedo e espinho em riste
Anuncia a forte chuva
Que sobre este chão de agrura
Há de um dia despejar
O alento em densos favos
Pra este ser que agora é triste
E pra tudo o mais que purga
A tremenda desventura
Do aceno que brandiste
Para nunca mais voltar

Vem vertendo seiva farta
Percutindo a rama parca
Transformando poça em mar
Vem sulcando a terra escura
Feito o sangue da tortura
Que é não poder te enxergar
Desce e corre seus caminhos
Revolvendo qual moinho
Pedra, galho e meu penar
E com cega violência
Não terá também clemência
Da lembrança que é tão má
De viver em tua ausência
Que na infinda estiagem
A paisagem seca e morta
Do vazio desta alcova
Não fartou-se de habitar

Divindade mais serena
Cuja mão tão diligente
O arquejo de meu peito
Veio um dia apaziguar
Sopra a bênção de teus lábios
Que afugente maus presságios
Desde o topo deste altar
Pra que o fogo arrefeça
Deste ferro em carne viva
Deste sol a causticar
E o adágio da jornada
Em allegro se converta
Ao sentir-lhe o leve toque
Qual prenúncio do regresso
Antes mesmo que amanheça
E dos sonhos o recesso
Venha o termo decretar


Ave, deusa deste monte
Deita ao vale teu olhar
Vê quão torpe é esta vida
E convulso o meu amar
Vê que atroz é a desdita
Da ternura desmedida
E de contra ti pecar
Toma a prece que te elevo
Tem piedade deste cego
Que não cansa de chorar
Pois além de teu afago
Nada há que possa o fardo
Destes ombros mitigar
Continua, te imploro
Neste monte que é teu lar
Sê de mim o cais noturno
Onde possa em sono augusto
À tua face repousar

Musa sacra sob o manto
De pinheiro, neve e vinha
Despe o véu de teu reinado
Faz desabrochar teu canto
Nesta língua que é tão minha
Rasga o pano que te cobre
Mostra os seios teus em chama
Geme o doce devaneio
Do que de desejo sofre
Do que humanamente ama
E concede a este pobre
O milagre de um dia
Ser além daquele norte
Em revelação tardia
Por teu beijo arrebatado
E sem dúvida ou pecado
Possuir-te em agonia.

Ranger de dentes

Que faço, mulher, das noites quietas
imersas em vinho
velando o silêncio
de quem já não sabe
se há algo além
de tanto chorar
de tanto carinho?

Que faço também
dos dias em trevas
mais graves que os ventos
de toda poesia
que açoitam valentes
as velas infladas
de tanta agonia?

Que faço, ainda, de todo este mofo
que faço
suplico
do fátuo fogo
que exausto declina
o ardente convite
à vida que brinda?

Que faço, mulher, que faço afinal
de todo este frio
que nunca esvaece
que é lâmina e fende
a carne tão frouxa
de quem já não move
a face indolente
em seu desvario?

Que faço, me diga, que faço de todos
que incautos caminham
ao léu e sem fim
às costas o berço
à frente o cerzir
do féretro estreito
em que se há de tornar
ao eterno porvir?

Que faço, mulher, e que faço de mim
aquele que espera
da alma despido
sem dor e sem medo
que não o de ser
sem ti condenado
ao eterno degredo?

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