domingo, 19 de julho de 2009

ENTREVISTA COM MARCOS CAVALCANTI


GILBERTO: Olá, Marcos! Fale-nos sobre sua pessoa e como a arte entrou na sua vida.

MARCOS: Entrar na vida é que é uma misteriosa arte. Veja, meu pai que não tem afinidade nenhuma com manifestações artísticas, estava sentado numa calçada no bairro do Paraíso (onde nasci) com um violão no peito, fingindo tocar uma música qualquer, quando minha mãe passou e disse-lhe algum gracejo. Desse fingimento de arte nasceu o amor entre eles e estou eu aqui em sua entrevista. Talvez meus genes mais remotos tenham ouvido aqueles acordes fingidos e eu sigo até hoje no fingimento de ser poeta (lembremo-nos de Fernando Pessoa - o poeta é um fingidor...). Não vou falar de mim, pois ainda ando aos 36 anos meditando nas palavras do oráculo: “conhece-te a ti mesmo” e não haveria páginas no seu blog para conter as conclusões hegelianamente relativas que cheguei até o momento, ao meu respeito. É melhor não enfadar ao seu leitor com isto.

GILBERTO: Conte-nos como surgiu a idéia da ASPE e a ASPE propriamente dita.

MARCOS: Eu era estudante de Letras no Campos Avançados de Santa Cruz (UFRN) e a cidade não contava com um movimento organizado em prol da literatura no município. Só para que o seu leitor tenha uma ideia, o livro Rimário dos Poetas Brasileiros (1938) desde o seu lançamento era a única antologia existente e publicada em Santa Cruz, pela tipografia Trairi, e nele, apenas um ou outro autor potiguar figura, e um ou outro autor residente em Santa. Eu queria mudar essa realidade e vi na organização de uma antologia poética, essa possibilidade. Com muito esforço amealhei os primeiros poemas, fui conhecendo outros escritores por meio dos amigos que indicavam e finalmente nasceu com a nossa primeira antologia: Templos Tempos Diversos, que reuniu em sua edição (1995) 23 poetas, o desejado movimento que até hoje se sustenta. Desse lançamento e com o grupo com o qual eu mantinha mais contato (Hélio Crisanto, Nailson, Hugo, Rita Luna, Matias, Edgar, Borginho, entre outros), amadurecemos a idéia de criarmos uma associação, e a ela denominei com a aprovação de todos, de ASPE (Associação Santacruzense de Poetas e Escritores) fundada em 17 de setembro de 2000, numa sala da escola IESC. Ressalto que antes de sua fundação, organizei ainda a antologia Trairi em Versos (1997), como parte do projeto (Poesia Viva) para editar livros com os nossos textos poéticos. Hoje a ASPE encampou essa proposta e já estamos na 4ª antologia, já que adotamos as duas edições anteriores como sendo parte desse projeto da arte, ainda que anterior a ela, e da qual você, para nossa honra, também faz parte como membro.

GILBERTO: O que a ASPE tem feito de relevante até hoje?

MARCOS: Fora a publicação das antologias que eu já mencionei, destaco a sua participação no cenário local, incentivando novos autores, acolhendo a todos de maneira solidária e democrática, levando poesia para as escolas, para as rádios locais, fazendo recitais em eventos diversos, mas, sobretudo, criando a consciência de que Santa Cruz tem bons escritores e que vale a pena prestigiá-los. Creio que conseguimos o respeito da comunidade em geral, e tanto é que já fomos homenageados até num desfile de 7 de Setembro pela escola José Bezerra Cavalcanti. Não esquecendo também que os seus membros têm obtido êxito em premiações de concursos dentro e fora do estado, seja no âmbito da música ou da poesia.
GILBERTO: Que expectativas você tem em relação à ASPE? O que ainda falta?
MARCOS: Falta uma maior adesão, não só de seus membros, como de muitas outras pessoas que poderiam estar nela, contribuindo e trocando idéias conosco, discutindo literatura, atualizando-se. Mas o que me deixa muito feliz é que da semente da ASPE muitos outros livros individuais já surgiram em Santa Cruz, e eu sei, que sem esse movimento, nada disso teria sido possível. A nossa literatura, de certa forma, se confunde com a própria existência da ASPE e é claro que o contexto que vivenciamos no passado com a presença da universidade, especialmente com o curso de Letras, que tínhamos, foi também um dínamo propulsor deste desenvolvimento. Espero que a ASPE siga forte, com os mesmos ideais que foi criada e que possa dar muitas alegrias a Santa Cruz no âmbito literário e cultural.

GILBERTO: Qual a importância da leitura em sua vida e o que a poesia representa para você?

MARCOS: Ler é descobrir e descobrir-se. Não saberia viver sem a leitura e certamente ela foi e é a maior influência em minha vida, ainda mais se considerarmos o termo em sua acepção semiótica. A poesia, como diria, parodiando um mestre do realismo, sendo ou não realista: é o meu eu mais profundo na reflexão de mim mesmo, dos outros e do mundo. A Poesia é o meu pão de cada dia, pão que adoro compartilhar com os outros, mas advirto, que as vezes há algum bolor nele. Coma quem tiver estômago forte.

GILBERTO: Fale-nos dos trabalhos que tem desenvolvido e prêmios que tem conquistado.

MARCOS: Gilberto, os planos nem sempre andam, os projetos nem sempre engrenam como gostaríamos, mas é assim mesmo. Por vezes temos que dar tempo ao tempo. Estou feliz com o recente lançamento do meu segundo livro de poesia, Imarginário, embora não possa estar me dedicando à venda como fiz pessoalmente com o Viagens ao Além-Túmulo, mas isso é oura história e eu vivia outro contexto. Estou me preparando para ir novamente à cidade do Recife, onde participarei pela terceira vez da edição do concurso IV Recitata (Recife em Cantata) do qual já por duas vezes saí com um honroso segundo lugar (2007 e 2008), mas não crio expectativas, vou, sobretudo, para participar, rever amigos e recitar poesia, coisa que gosto demais de fazer. Gostaria muito que o meu terceiro livro “Antropofamélicas Palavras” já tivesse numa fase mais adiantada, mas estou aguardando a promessa de capa do Mestre Dorian Gray Caldas, como disse, tempo ao tempo. Ademais, quero publicar também um livro infantil de poesia, como Imarginário, também em Português e Espanhol. Neste caso, a dificuldade é mesmo conseguir uma editora que banque, com bons ilustradores etc. Mas vou correr atrás deste sonho.

GILBERTO: Que tem a ressaltar sobre a produção cultural no Rio Grande do Norte e especificamente no Trairi?

MARCOS: Gilberto, você me pede muito numa entrevista destas, esse assunto dá pano pras mangas. Sei que temos várias manifestações artísticas importantes no estado, desde a chamada cultura erudita até a manifestação popular ou folclórica, basta ler Deífilo Gurgel para constatar isso, ou ficar atento à programação cultural veiculada pelos meios de comunicação. A poesia, para mim, é a grande vocação do estado. Quando a revista Preá, da FJA, mantinha a sua regularidade, tínhamos uma noção mais abrangente da realidade artísticas das cidades e regiões, e eu acompanhei com alegria cada edição. De nossa região, se não estou enganado, apenas Sítio Novo e Santa Cruz mereceram destaque na revista, ficando de fora outras cidades do Trairi que também tem o seu valor. Espero que os seus editores retornem para a cobertura em todas as cidades, e mais não digo.

GILBERTO: Quais as características de sua poesia e que autores o influenciaram?

MARCOS: Cada poesia tem a sua própria razão de ser. Já fiz poesia erótica, de crítica social, encomiástica, de amor, de ocasião, concreta, filosófica etcoetera. Nailson diz em seu estudo literário ainda inédito, que a minha poesia não cabe nos ismos e ratifico essa opinião. Se os meus leitores identificarem algum traço, ótimo, respeito a opinião de cada um, se não, e se isso não os agradar, dêem às traças a minha poesia, ela as alimentará.

GILBERTO: O que você lamenta em relação à produção cultural em Santa Cruz? E o que comemoraria?

MARCOS: Amigo, eu vou dar uma resposta bem evasiva para não ferir ninguém: eu lamento o que você lamenta e fico nisso. Comemoro, todavia, a garra de muitos artistas que tiram leite de pedra para produzir sua arte. Muitos, apesar de todo esforço, sequer são reconhecidos. Mas já estou ficando calejado nestas coisas, eu mesmo sei o que passo ou que passei para produzir alguma coisa em Santa (festival de viola, por exemplo). Pergunta a Hugo, ele também sabe. Pergunta a Messias, Ricardo do Arte Viva, eles também sabem.

GILBERTO: Deixe-nos um de seus poemas prediletos, de autoria própria ou não.

À UM GUERRILHEIRO


Nas medalhas do teu uniforme,
Rostos embaçados e disformes
Refletem grande dor.

Em cada rosto – um tormento,
Em cada medalha – um lamento
E em tua face – o horror.

Os teu dedos – vertem balas,
Os teu ouvidos – bombas raras
E em tuas veias – corre a pólvora.
A tua boca – cospe granadas,
Os teus olhos – vêem barricadas,
Uma lembrança te apavora.

A imagem de teu irmão
Num último aceno de mão
Antes de cair por terra.

Joga fora tuas medalhas,
Honra ao mérito das mortalhas
E abomina toda guerra.

Marcos Cavalcanti



20-AudioTrack 20.wav (6.41 MB)

MAIS UM POEMA DE AUTORIA PRÓPRIA DECLAMADO POR MARCOS:

http://gcarsantos.podomatic.com/player/web/2009-08-29T13_35_26-07_00

PARA OUVIR O PROGRAMA VERSO E COMPANHIA (VEICULADO EM 05.09.09) ABRA O LINK http://gcarsantos.podomatic.com/entry/2009-09-07T07_48_46-07_00